sábado, 9 de janeiro de 2010

Magalhães BArata - 50 anos depois

Dele tenho as mais belas e as mais tristes recordações da minha infância. A última é marcante. Terrível. 1959. Tinha 11 anos de idade. Numa bela manhã ensolarada, no Grupo Escolar Augusto Montenegro. Dia 29 de Maio, do rádio veio a notícia fatídica.
Acabara de falecer na residência governamental da Avenida Dr. Morais, no bairro de Nazaré, o governador Joaquim Cardoso de Magalhães Barata. Vítima de Leucemia. Belém acompanhava o seu sofrimento que não durou muito e chegou a fim naquele mês de Maio.
O Pará parou. De norte a sul e de leste a oeste. A consternação foi geral. O rádio, sempre ele, acompanhando os preparativos do corpo para o velório que aconteceria no salão nobre do Palácio da Cabanagem, na Cidade Velha.
A multidão começou a se deslocar para aquele logradouro que teve a praça em frente completamente tomada por gente de todas as raças e credos. Homens e mulheres, crianças e idosos, enfim, uma verdadeira babel que até hoje se mantém viva na minha mente.
Repito. Tinha apenas 11 anos e cursava o 4º ano do curso primário. A sala de aula da escola ficava à esquerda de quem entra. Por uma escadaria de concreto revestida de mármore e um corredor suspenso à uns 2 metros do chão e de grades nas laterais, chegava-se ao santuário escolar.
A mestra. Professora Osmarina. Morena forte, na meia idade, tendendo a obesidade, de cabelos negros e crespos, e de estatura acima da média impunha a disciplina na turma.
Carismática, experiente, recebeu inúmeras visitas dos alunos na sua residência, na travessa 14 de Março, próximo ao pronto socorro municipal. Isso após o fim do ano escolar.
Voltando ao obituário de Barata. A cidade de Belém assumiu o velório na sua plenitude. Admiradores e adversários sentiram o golpe. Uns compungidos, outros, aliviados. É que Barata tinha a fama de proteger os pobres. O choro convulsivo de homens e mulheres invadiu ruas e avenidas, becos e travessas da cidade de Santa Maria de Belém do Grão Pará.
Luto geral.
A fila para ver o corpo embalsamado de Barata em câmara ardente, interminável. O caixão envolto na bandeira do Pará sob aquela luz mortiça rodeada de grinaldas e coroas no salão principal do palácio da Cabanagem foi cercado por militares vestidos a caráter e de olhares serenos e compungidos. Políticos pertencentes a sua militância e a família, pouco numerosa, completou o quadro de intenso pesar.
Mesmo garoto, levado pelos meus pais fui ao velório de Barata e não perdi um detalhe daquela solenidade fúnebre que enlutou o meu estado. Tudo grandioso para a minha mente de menino. Os olhos atentos e a mente aguçada gravaram tudo daquele ambiente de dor.
A partir de determinada hora da tarde saiu o cortejo, de pés, em direção ao cemitério de Santa Isabel, situado no bairro do mesmo nome. Distância enorme, mas, a massa humana, se comprimiu em todo o trajeto, levando o caixão com o corpo sem vida do seu líder até a ultima morada aonde chegou ao cair da tarde.
Nesse dia, tive a primeira sensação de sensação de liberdade na minha vida. Meus pais me liberaram para acompanhar o cortejo fúnebre. Saída do Palácio Cabanagem. O esquife envolto na bandeira do Pará foi colocado após um ritual marcante sobre uma pequena carreta improvisada e seguiu das escadarias do palácio até a Rua Manoel Barata, dali até a Avenida Presidente Vargas onde dobrou à direita no sentido do edifício Manoel Pinto da Silva, ali chegando, avançou pela Avenida Nazaré, passando ao lado da Basílica de N. Senhora de Nazaré e atingindo a Avenida Independência de outrora, passando pela residência governamental, indo até a Avenida José Bonifácio, onde dobrou novamente à direita seguindo até o campo santo onde seria enterrado.
Foram horas de percurso, como se o povo quisesse manter o seu líder na face da terra por mais tempo, mesmo morto. Um acontecimento fascinante acima de tudo. Naquele dia 30 de maio de 1959, a multidão que seguiu o esquife com Barata em seu interior, rivalizou com o espetáculo do Círio de Nazaré.
Os raios solares começavam a rarear no horizonte quando o caixão chegou à frente do cemitério. O badalar dos sinos anunciou a chegada do corpo de Magalhães Barata para o seu sepultamento. Desespero. Choros convulsivos. Palmas. Declarações de amor. Salvas de tiros, enfim, toda essa emoção tomou conta do povo paraense naqueles minutos de intensa dor.
Com muito esforço, o caixão chegou até a sepultura localizada no lado esquerdo do portão principal do logradouro, onde repousou numa base de madeira para que o povo ouvisse os discursos de despedida. Lembro bem de Hélio Gueiros e de Luiz Geolás de Moura Carvalho, seu substituto.
O povo acotovelando-se uns aos outros entre, e sobre os mausoléus do entorno da cova de Barata queria ver a cena derradeira: o caixão baixar à sepultura. Assisti aquilo com a inocência dos 11 anos de idade. Cenas que nunca esquecerei.
A volta para casa até que não foi difícil. Morávamos no bairro do Telégrafo Sem Fio, muito distante do cemitério. Os homens do governo providenciaram ônibus para levar o povo de volta aos lares. Cheguei em casa, já, com a noite fechada.
Este foi o fato mais importante da minha vida de garoto. A morte e o sepultamento do general Joaquim Cardoso de Magalhães Barata.
Mas, antes, disso tudo acontecer, pude vê-lo e até ouvir seus discursos nos comícios das praças do bairro do Telegrafo. É que morávamos às proximidades da sede do PSD – na Avenida Senador Lemos, e, vez por outra, o Barata ia lá para visitar os correligionários.
Lembro do Sr. Carvalhinho. Homem de estatura mediana, magro, cabelos negros e lisos, bancário e que morava no “conjunto residencial dos bancários”, em frente ao Grupo Escolar Augusto Montenegro onde estudei, localizado na travessa Magno de Araújo, entre a Rua do Una e a Avenida Senador Lemos.
Seu Carvalhinho é que agendava as visitas de Barata no Telégrafo. Numa dessas, ganhei dele uma moeda. Noutra, um afago na cabeça me estimulando a estudar.
A vida do General Barata é de longe a mais importante do Pará. Tanto que jornalistas (Lucio Flavio Pinto, Augusto Barata), escritores (Carlos Roque, Ernesto Cruz), a memória do senado federal e do governo do Pará publicaram obras sobre a sua vida.
“Um mito que resiste ao tempo”. Palavras de Augusto Barata para defini-lo. De fato. Barata resiste ao tempo. Escrevo isso 50 anos depois, embalado pelo sentimento de cultuar os meus líderes. Morreu pobre. Teve todas as terras do Pará nas “mãos”. Diferente dos políticos de hoje, verdadeiros malfeitores da nação – vide a vida de José Sarney, Barata morreu pobre para o desespero dos seus críticos, maldosos e cretinos.
Fatos interessantes e que marcaram a minha memória os revelo agora. Sobre a Policia Civil. Esta força de segurança pública tinha toda a cobertura do governador contra ladrões. Surge aí a figura do temível Delegado Dantas Brasil - Chefe de Policia. Um dos mitos que cerca a vida de Barata é que ele mandava para o Cotijuba, de vez em quando, os ladrões e os autores de crimes perversos eram embarcados, também, nos barcos com direção à ilha. O detalhe é que os criminosos ficavam pelo meio do caminho dentro de sacos de sarrapilheira contendo pedras.
Os comerciantes portugueses, a maioria em Belém daquela época – iam a loucura com Barata, quando resolviam aumentar o preço do arroz, feijão, açúcar, ou outro qualquer gênero alimentício. Barata mandava baixar o preço na hora. E a sua vontade tinha de ser respeitada. Senão...
Sobre a educação. O caso da sua correligionária que o ajudou a eleger-se no seu interior. Ele deu a ordem ao secretário particular que anotasse o nome daquela senhora e a nomeasse para um cargo na escola local. Depois de vascular a vida da mulher o secretário lhe disse: governador esta senhora é analfabeta. E ele, sem perder a pose tascou: -“Então nomeia e aposenta”.
Da política, ainda lembro das “troças” muito cantadas pelas ruas de Belém: “Assunção, Barata, não”. “Assunção, Barata, não”. “Assunção, Barata, não”. Outro: “Oh! Xente que bicho é esse é barata, pega na chinela e mata”. “Oh! Xente que bicho é esse é barata, pega na chinela e mata”. Isso invadiu o Pará de ponta a ponta. Era a campanha da oposição à Barata.
É que em 1950, disputaram a eleição para o governo do Pará o general Joaquim Cardoso de Magalhães Barata pelo PSD, e o marechal Alexandre Zacarias de Assunção (CDP) uma coligação de partidos, UDN, PST, PL, PSP, PRT. Assunção ganhou a disputa, por uma diferença mínima (582 votos). Cinco anos depois, 1955, Barata (PSD), volta à disputar a eleição, desta feita o adversário foi Epílogo de Campos (UDN). Barata venceu a eleição, também, por uma diferença mínima pouco mais de 1 mil votos.
Barata foi interventor do Pará desde 1935 ate meados de 1945. Época da ditadura Vargas. Período em que cristalizou a sua liderança por todo o estado. O seu governo foi voltado para as classes menos favorecidas. Isso lhe custou adversários ferozes.
Um deles, o mais importante o jornalista Paulo Maranhão dono do jornal “Folha do Norte”, o de maior tiragem no Pará, à época. Paulo Maranhão não lhe deu trégua enquanto viveu. Para se contrapor ao jornal de Maranhão, Magalhães Barata criou O Liberal. Hoje, o jornal de maior circulação no norte do país, sob outra direção, é claro. Assim, podia defender-se dos ataques ferinos da “Folha do Norte”.
Ao morrer Joaquim Cardoso de Magalhães Barata nascido em 12 de Junho de 1888, em Val de Cães – Belém - deixou um legado que passou inicialmente por Luiz Geolás de Moura Carvalho, seu substituto, depois, outros políticos usando o seu prestígio elegeram-se para os diversos cargos existentes na republica brasileira.
Hoje, Barata dá nome a uma das avenidas mais importantes da capital paraense, que inicia no mercado de São Brás, a antiga Avenida Independência. Tem o museu Magalhães Barata, onde são vistos as suas indumentárias e os apetrechos usados no governo do Para, e dá nome a um município da zona bragantina. O município de Magalhães Barata.
Barata é um dos mitos paraenses que fez a minha cabeça. Morreu pobre, quando tinha todo o território paraense ao seu dispor. Sua trajetória é muito diferente de uns e outros que mancham a vida política brasileira com uma ganância sem limites.
Leonai Garcia

4 comentários:

  1. Texto muito bom, parabéns!

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  2. Quer saber por qual motivo peço intervenção e jamais desistirei?
    Pois bem; quero a devolução dos valores roubados.
    Quero o fim da lei de imunidade, que só serve para acobertar corruptos!
    E que nenhum corrupto continue exercendo cargo publico!
    VEJA OS PRECEDIMENTOS DOS 5 GENERAIS-PRESIDENTES. Para estes militares os deveres nacionais, sempre estiveram acima dos interesses pessoais!
    "Erros foram praticados durante o regime militar, pois eram tempos
    difíceis.
    Claro que, no reverso da medalha, foi promovida ampla modernização das nossas estruturas materiais.
    Fica para o historiador futuro emitir a sentença para aqueles tempos bicudos."
    Mas uma evidência salta aos olhos: a honestidade pessoal de cada um!
    1 - Quando Castelo Branco morreu num desastre de avião, verificaram os herdeiros que seu patrimônio limitava-se a um apartamento em Ipanema e umas poucas ações de empresas públicas e privadas.
    2 - Costa e Silva, acometido por um derrame cerebral, recebeu de favor o privilégio de permanecer até o desenlace no palácio das Laranjeiras, deixando para a viúva a pensão de marechal e um apartamento em construção, em Copacabana.
    3 - Garrastazu Médici dispunha, como herança de família, de uma fazenda de gado em Bagé, mas quando adoeceu precisou ser tratado no Hospital da Aeronáutica, no Galeão.
    4 - Ernesto Geisel, antes de assumir a presidência da República, comprou o Sítio dos Cinamonos, em Teresópolis, que a filha vendeu para poder manter-se no apartamento de três quartos e sala, no Rio.
    5 - João Figueiredo, depois de deixar o poder, não aguentou as despesas do Sítio do Dragão, em Petrópolis, vendendo primeiro os cavalos e depois a propriedade. Sua viúva, recentemente falecida, deixou um apartamento em São Conrado que os filhos agora colocaram à venda, ao que parece em estado de lamentável conservação.
    OBS: foi operado no Hospital dos Servidores do Estado, no Rio.
    Não é nada, não é nada, mas os cinco generais-presidentes até podem ter cometido erros, mas não se meteram em negócios, não enriqueceram nem receberam benesses de empreiteiras beneficiadas durante seus governos.
    Sequer criaram institutos destinados a preservar seus documentos ou agenciar contratos para consultorias e palestras regiamente remuneradas.
    Bem diferente dos tempos atuais, não é?
    Acrescento: NENHUM DELES mandou fazer um filme pseudo biográfico, pago com dinheiro público, de auto-exaltação e culto à própria personalidade!
    NENHUM DELES usou dinheiro público para fazer um parque homenageando a própria mãe.
    NENHUM DELES usou o hospital Sírio e Libanês.
    NENHUM DELES comprou avião de luxo no exterior.
    NENHUM DELES enviou nosso dinheiro para "ajudar" outro país.
    NENHUM DELES saiu de Brasília, ao fim do mandato, saiu acompanhado por 11 caminhões lotados de toda espécie de móveis e objetos roubados.
    NENHUM DELES exaltou a ignorância.
    NENHUM DELES falava errado.
    NENHUM DELES apareceu embriagado em público.
    Autor : jornalista CARLOS CHAGAS

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    1. Continue sonhando fera.... militares como esses não existe mais

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  3. Palmas... ao Jornalista Carlos chagas. Por mais politicos como o governador Magalhaes Barata. Pena, pena termos tantos ladroes no poder. que não se importam com povo e nem com o País. Lamentável ver pessoas se vendendo, ver o povo ignorante. Triste!!!

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